quinta-feira, 23 de julho de 2009

Jantar a luz de velas

............A mesa estava semi-pronta. Ele havia colocado um forro rendado e no centro um pequeno arranjo de delicados amores perfeitos azuis, e claro, o elemento que ele considerava chave para o clima da noite: o castiçal. Tudo simples, porém sofisticado, bem como exige um jantar a luz de velas.
............Foi até o aparador, ao lado da porta e colocou o vinho no balde de gelo, começou a dispor a mesa. Atenciosamente buscou o jogo de jantar de porcelana branca, presente herdado de sua avó e raras vezes utilizado, sob os pratos dobrou finos guardanapos bordados, fez questão de colocar suas melhores taças de cristal. Abriu a caixa de madeira que continha o jogo de talher de prata, lustrou pacientemente cada um antes de repousá-los ao lado da porcelana. Olhou novamente, o toque final foi o acender das velas, sob essa mea luz pretendia levar todo o jantar. Ligou o dvd e colocou, em som baixo, um agradável blues.
............Voltou à cozinha para completar suas tarefas, havia preparado tudo com maestria, pesquisou durante semana vários livros e sites de culinária. Não queria algo muito simples, seria desatencioso demais, e nem algo sofisticado ao extremo, seria desesperado demais. Optou por uma noite agradável, com um cardápio leve. Primeiramente duas opções de saladas frias e pão caseiro, para a entrada ele preparou mariscos gratinados, como não era um especialista em assuntos gastronômicos escolheu um prato mais fácil para fazer, fácil, porém apetitoso, salmão com molho de alcaparras. Havia ficado em dúvida sobre qual seria a sobremesa ideal, não conseguia decidir entre tiramisù, sorvete com calda quente ou salada de frutas a base de molho de ricota, por fim, decidiu-se pela salada de frutas ao recordar que ultimamente ela recusava qualquer opção de pratos fartos, aliás, ultimamente seu apetite andava péssimo. Isso o fez lembrar de uma época onde ela fora fissurada em regimes, ele não entendia porque de uma dieta tão restrita e sofrida, tantos exercícios, cintas e cremes, ela sempre foi linda e não precisava disso.
............A janela defronte a pia refletia o seu bobo sorriso e como a conversar com seu melhor amigo, se pos a falar em voz alta.
............“Me lembro como se fosse hoje o dia que nos conhecemos. Muita gente esquece ou inventa lembranças para isso, mas eu me recordo de cada detalhe. Apesar de novo, tinha um cargo de destaque no banco, cuidava da área de empréstimos. Eis que um dia me aparece uma jovem, linda... nossa, como era bonita. Uma beleza simples e tão perfeita em sua simplicidade que não conseguia tirar os olhos dela. Ela era alta, um corpo esguio, pele clara com leves pelos dourados, o cabelo de um castanho que me lembrava mel, os olhos eram duas fendas que brigavam para esconder aquele vivo castanho escuro. A boca era de um intenso rosa claro, uma boca grande mas não muito carnuda, de um desenho perfeito que deixava em dúvida se aquilo era um convite a luxúria ou apenas uma encantadora inocência, quando os dentes se atreveram a aparecer o sorriso iluminou toda sua face, transbordando o rosa também para suas delineadas bochechas. Aí, meu amigo, pude ver como a meiguice tinha capacidade de ser sensual sem o mínimo esforço. Se eu me apaixonei? Bem, isso era o que deveria acontecer para a história ser de um perfeito romantismo. Mas seria mentira. Na hora eu apenas desejava arrancar o vestido barato dela e saber se todas as curvas eram conforme eu imaginava...”
............Parou a frase no ar e ficou com o olhar perdido. Verificou o relógio para ter certeza de que não se atrasaria. Experimentou o molho do salmão, desligou-o. Dispôs as saladas e em uma pequena cesta o pão fatiado, resolveu levar para a mesa. Voltou o olhar para um pôster no corredor, ela sorria radiante, com o nariz vermelho de frio.
............Foram férias maravilhosas, o primeiro ano de casamento pode-se resumir a isso: maravilhoso. Aquela foto foi tirada no alto de uma serra gaúcha, ele achava graça como alguém tão bronzeada podia ser tão apaixonada pelo frio. Ela estava feliz, eles estavam felizes, pelos menos algum dia tinha sido assim.

(CONTINUA...)

terça-feira, 14 de julho de 2009

O prêmio

............O comunicado de premiação estava aberto em cima da escrivaninha, ela não pode conter um leve sorriso ao olhá-lo de relance, se orgulhava disso. Havia feito por merecer, anos de estudo em aulas de atuação e canto, exercícios físicos, dieta rigorosíssima e procedimentos, devia estar sempre bonita, aparência também era tudo no meio artístico. E ela era sim, sem falsa modéstia e com muito convencimento, linda e talentosa. Não foi por menos que ganhou o título de atriz do ano.
............A entrega seria durante uma galante festa, regada a muito champagne refinado, comidas exóticas e camada mais influente da sociedade. Ela haveria de estar em contato com grandes nomes do meio cultural, jornalístico, político, além de socialites, sempre insuportáveis, mas eram todos contatos obrigatórios para se ter um nome. Em frente ao espelho ela ensaiou alguns falsos sorrisos e agradáveis frases prontas, prendeu o cabelo ao alto e depois o soltou visualizando de que forma iria combinar mais com o vestido já encomendado com o melhor estilista da região.
............O som entrou pela janela, muito diferente das buzinas que ela estava acostumada. Debruçando-se pode ver algumas crianças brincando no meio da rua, enquanto na calçada, em frente a uma casa vizinha próxima, mulheres conversavam em alto tom, duas delas tricotando. Esquecera-se de como uma cidade do interior podia conservar por anos uma pitoresca simplicidade, tão simples que lhe causava arrepios. Fechou a cortina e passou a mão pelos braços para acalmar os pelos eriçados, começou a se despir de seu traje negro, aliás, um lindo e chique conjunto preto com detalhes em seu corte que davam um caimento perfeito, nem muito básico e nem muito chamativo, elegante na medida ideal para a ocasião em questão, no caso, o enterro de seu pai.
............E pensar que no início de tarde anterior, tudo estava perfeito. Em seu apartamento, comemorava com alguns amigos íntimos a sua premiação, se sentia radiante naquele dia, quando recebeu o imprevisto telefonema de uma tia, que mal lembrava o nome, para noticiar o fato. Bateu o fone no gancho e mal podia acreditar que aquilo tinha ocorrido, e tudo isso logo neste momento. Teria que voltar para a casa de sua mãe e tomar todas as previdências cabíveis, pois tinha consciência que a mesma não seria capaz de tudo sozinha, calculou mentalmente o que haveria de fazer e se partisse naquele instante daria para voltar a tempo de sua premiação. Fez rapidamente as malas, colocou algumas peças simples, afinal naquele fim de mundo não iria fazer a menor diferença e resolveu levar o convite da noite de gala para sua mãe, mesmo sabendo que ela nunca pisaria em um lugar desses.
............Entrou debaixo da ducha quente, pensando nas últimas resoluções que deveria tomar com o pessoal da funerária e também com a igreja, não estaria presente na missa de sétimo dia, mas gostaria de deixar tudo providenciado. Sua mãe parecia um zumbi e era fato não conseguir tomar decisões, a morte de seu pai havia pegado a todos de surpresa, ele era, na medida do possível, saudável e forte, mas um ataque cardíaco acabara com tudo.
............Foi até a cozinha a fim de fazer algo para comer, passou pelo quarto da mãe que estava prostrada na poltrona, olhar perdido para a cama. Sentiu uma pontada fria na base da coluna vendo como os traços de sua mãe eram semelhantes aos seus próprios, da forma mais educada que pode perguntou em vão se sua mãe desejava algo, e não obtendo resposta dirigiu-se a mesinha de cabeceira, havia uma infinidade de remédios que ela sabia que sua mãe não tomara naquele dia. Era seu pai que controlava tudo, cuidava de tudo, sua mãe necessitava de atenção e seu pai o fazia com todo afeto. Ela estava perdida em meio a tantas bulas e anotações, tentou extrair alguma informação de sua mãe sobre seus horários e quantidades, novamente em vão. Não sabia como fazer com aquilo tudo, não sabia o que fazer com sua mãe. A solução, achou entre uma garfada e outra de sua salada de beterraba.
............Dois dias depois estavam, ela e a mãe, se despedindo de todos da família. Muitos tapinhas, abraços apertados e choros. Como isso a incomodava. Apesar de alguns protestos sobre a não presença das duas na missa de seu pai, ela conseguira convencer todos que não havia motivos para confrontar sua mãe com mais sofrimento, ela a levaria para a cidade e com certeza sua mãe estaria melhor assim. Apesar do falatório, cochichos venenosos e recomendações de cuidados, todos concordaram com sorriso armado. Como ela odiava aquilo tudo. Também se despediu com sorriso armado e até conseguiu fazer brotar algumas lágrimas nos olhos.
............Durante o vôo, tentou puxar conversa com a mãe, que mal piscava. A viajem parecia uma eternidade, ela mal podia esperar para respirar ar puro. Apresentou com satisfação sua cobertura, e levou-a até o quarto de hóspedes, pedindo que se lavasse. A camareira que se encontrava no quarto, sabendo da tragédia, de forma comovida ofereceu-se para desfazer as malas, ela agradeceu e explicou que não havia necessidade, mas gostaria que chamasse alguém para encaminhar a mala florida para a recepção. Após a retirada da inconveniente subalterna, ela se apressou para fazer as ligações necessárias.
............Depois de um banho rápido e um lanche leve, estavam acomodadas em seu carro. Ela explicava para mãe sobre sua futura estadia em um dos mais renomados SPA, falava sem parar sobre os profissionais, o ambiente, as atividades. Apesar do ar condicionado ligado, ela sentia um calor incrível, o ar pesado, o silêncio de sua mãe não ajudava em nada, pisou no acelerador. Entrou por um exuberante jardim, o qual ela considerou magnânimo, foi recepcionada pessoalmente pelo proprietário do local, caminhava animadamente pelos corredores e olhando de lado pode sentir o olhar de sua mãe, após dias, ela pode ver um olhar, firme, frio, amargo. Para seu alívio, o quarto estava a dois metros.
............Uma jovem designada para ser acompanhante de sua mãe lhes deu boas vindas, o diretor e mais duas ajudantes explicavam animados sobre o lugar, mas ela podia sentir que sua mãe estava desligada de tudo e se concentrava nela, seus olhos perfurando os dela. Aos poucos todos começaram a sentir uma atmosfera estranha e foram se calando. Ela não podia deixar aquilo esfriar, deu uma volta e começou a elogiar o aconchegante loft, puxou a mãe pela mão e animada lhe fez entrar, deu-lhe um beijo na testa falando que era para ela aproveitar ao máximo e que voltaria em breve, fez algumas recomendações simpáticas as ajudantes, que sorriram de jeito brejeiro.
............Saiu acompanhada pelo diretor, seus passos eram apressados. Balançava o cabelo de forma nervosa e ajeitava a roupa, como se algo estivesse a contaminando, sentia-se impregnada, queria um banho quente. Deu as últimas recomendações e várias folhas de cheque para garantir o necessário para o bem-estar de sua mãe e nenhum irritante incomodo para ela, afinal, era para isso que estava pagando uma fortuna naquele asilo de luxo.
............Respirando aliviada, pode, enfim, voltar para sua vida normal, seu glamour, seu status, sua fútil aparência, e é claro, seu prêmio, que no fim de tudo, era o que importava.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

E o tudo veio do nada

.........E de manhã, enquanto relembrava, sorria com boca frouxa e coração mole. Enrolada na toalha, passava a mão no espelho embaçado para pentear o cabelo.
.........“Como pode?”
.........Pois aconteceu. Foi assim, exatamente como falaram: do nada. Mas como algo que vem do nada de repente pode se tornar tudo? Então, não sei, sei que foi. Não teve um pouquinho, um aviso, nem uma placa, não teve um “com licença”, muito menos um “eu posso”. Porque o que aconteceu foi de susto, atrevido, destrambelhado, inusitado.
.........O que aconteceu chegou de uma vez e como encontrou a porta fechada, pulou a janela. E tudo veio de trás pra frente, contrariando o clichê, principalmente ao contrário do que acontecia ultimamente. E tão maravilhosamente assustador, pois por serem tão parecidos chegavam a completar pensamentos e falas. E vinha de um jeito tão impetuoso que tirava o fôlego, dava frio no estômago e manda a boca rir sem motivo. E era tão bom que simples palavras roubavam as horas e faziam de tudo o melhor de cada coisa.
.........E afinal, verdadeiramente, parecia que cada coisa se tornara melhor. Ela se sentia melhor, ela estava melhor, ela queria ser melhor; para ele. As coisas e fatos eram mais interessantes, andar era revigorante, conversar era encantador. Dizem que coisas boas costumam chegar quando e de quem menos esperamos, irônico era ver isso acontecer de forma literal.
.........Colocou a camisola e saiu do banheiro sussurrando uma melodia, desconhecida para outros, mas o tudo de seu interior...
.........“O meu dia não é tão bom, sem você”.