terça-feira, 30 de setembro de 2008

Desespero

............O padre no meio de seu sermão dizia como a vida era bela e como as boas ações eram importantes. Suzana estava contida, já não tinha forças para chorar.
............Todos estavam chocados com a morte súbita de Rogério, ele era saudável e uma pessoa muito centrada, ninguém queria aceitar o fato dele decidir parar por ali mesmo e ninguém queria perguntar para Suzana o que estava acontecendo nesses últimos tempos.
............O fato era que só Suzana sabia o porque do suicídio do seu marido, ou talvez, ela era a que a menos soubesse. A família e amigos tentavam consolá-la, mas ela parecia estar fora de sintonia, olhar distante, mãos geladas e nenhuma reação. “Ainda bem que não tivemos filhos”, uma das únicas falas que ouviu-se sair da boca dela.
............A noite passou rápida, isso devido aos calmantes que ela ingeriu. Assim que os primeiros raios de sol começaram iluminar a sala, ela abriu a persiana e resolveu tomar um café. Ligou a TV e ficou com a xícara parada na boca.
............“Assim não dá Suzana, não agüento mais essa sua paranóia! Eu não tenho outra, eu não tenho!”, a briga estava acalorada e Suzana com o celular de Rogério na mão berrava descontrolada “Você acha que eu sou idiota? Você vive com essas ligaçõezinhas misteriosas, amizades que eu não conheço direito, saídas súbitas e agora isso? Eu ouvi! E era uma mulher, ela desligou assim que atendi”. A discussão continuou tarde e noite adentro, ela muito nervosa, cheia de desconfiança e histórias mal explicadas, ele muito calmo e com todas as explicações imagináveis. O final era sempre o mesmo, ela após chorar o dia todo era consolada por ele que enfim a convencia de seu amor e que suas dúvidas eram sem fundamentos – apesar de totalmente óbvias -, eles se amavam e isso bastava.
............Bastava sim, até o dia após a última discussão. Suzana teve que sair cedo para resolver um imprevisto no trabalho, na volta encontrou Flávia uma amiga antiga e ficaram conversando durante um bom tempo. Flávia insistiu para a amiga ir a seu Café, conhecer enfim sua empresa, Suzana se encantou com o local, muito elegante e badalado. Mas entre uma risada e outra, para a surpresa de Suzana, eis que ela vê seu marido entrando com uma loira, ela não conseguia piscar. “Lá vai o Rogério, com uma nova biscate do lado”, comentou Flávia que sabia da vida da maioria de seus clientes freqüentes.
............De repente tudo fez sentido para Suzana, as ligações, as desculpas e o excesso de atenção e carinho em algumas ocasiões. Como ela havia sido burra a este ponto? Saiu do Café sem ao menos se despedir de Flávia. No prédio preferiu ir até seu apartamento no décimo terceiro andar pela escada, chorou o quanto pode esperando a volta de Rogério e imaginando como ele e a outra eram na cama.
............Ele chegou em casa relativamente cedo, falando que aproveitou um tempinho de folga para tomar uma cervejinha. Suzana o esperava com o jantar pronto, comeu friamente e encarar Rogério foi fácil naquele momento, mas fácil ainda foi empurrá-lo de surpresa pela janela e a feição dele ao cair foi um prazer incalculável para Suzana.
............Tudo foi resolvido, tudo, com um prazer incalculável.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Faça

E se for sim? Não importa.
E se for não? Importa menos ainda.
A importância está em ir...

Um, dois, três e relaxe

Paz, pessoas.
Relax!

Por detrás da máscara

............A maioria das pessoas gostam de mostrar o que não são, que são felizes, que têm dinheiro, que são bonitas, que têm o amor perfeito, que são gostosas e por aí vai. Essas pessoas, na minha opinião, se dividem em três categorias: as arrogantes, as iludidas e as “projetistas”.
............As arrogantes são isso por si só e não adianta ninguém querer consertar isso, pois tentar ajustar alguém arrogante é um trabalho quase impossível e que exige muita paciência. As projetistas são aquelas hiper-positivas, adeptas do poder da atração, acreditam que se falando ou pensando algo isso vai acontecer, é legalzinho isso e tem uma imensa diferença com a arrogância e a ilusão, pois as projetistas simplesmente traçam algo que querem alcançar e focam nisso.
............Eu tenho realmente pena é das iludidas. Essas acham realmente que são felizes e na realidade vivem muito mal. Pode soar estranho, mas é só reparar. Não digo as pessoas felizes de verdade, pois essas não precisam fazer alarde, pois a gente vê a felicidade real nelas, falo das pessoas que contam vantagem sob outras, ou que se acham demais, ou que falam demais que como seu mundo é perfeito e como sua vida em certo aspecto é maravilhosa. Isso tem explicação: elas não são felizes, são inseguras. Isso mesmo! Pessoas assim são as que mais falam que são felizes e que tem isso ou aquilo, exatamente porque precisam gritar isso, para elas mesmas acreditarem, já que estão muito longe disso. Se elas não são felizes de verdade, pelo menos os outros tem que pensar isso. Nesses casos sempre me lembro da música do Djavan “Sorrir, vai mentindo sua dor e ao notar que tu sorri, todo mundo irá supor que és feliz”.
............É aquela história, uma mentira muitas vezes repetida pode se tornar verdade. (Será?). E será que isso vale a pena? Falar que se tem ou que se é, simplesmente para formar opinião alheia?! Lembrem-se que junto a felicidade há muita inveja... buscar inveja por nada?! Sei não, hein....
.............Tsc, tsc... Várias facetas a se pensar, vários buracos a se cair...

................Para as felizes de verdade, meus parabéns! Para as outras só posso falar uma coisa: coitadas!

Já me ofereceram, em vários aspectos, viver numa falsa realidade, onde o superficial era perfeito, mas a realidade era podre, muitas mentiras, falsidades e hipocrisia. Porém não sou fraca e nem insegura para aceitar isso, mas há quem goste de ser enganado e se enganar, ainda contando vantagem ou dizendo como tudo é perfeito. Uma hora todo mundo aprende.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Pique-esconde

............Otacílio, Maria, Vidalgo e mais meia dúzia de crianças sempre brincavam na rua debaixo. Eram assim que chamavam o ponto de encontro, aquela viela esquecida: rua debaixo.
............O mais velho da turma era Vidalgo com oito anos de idade, o restante tinha entre 6 e 7 anos. Todos eram muito unidos e conheciam bem a vida de cada, se auxiliando em todos os problemas.
............Quem estava na contagem do pique era Marcelo. Como sempre Otacílio, Maria e Vidalgo correram disparados na frente de todos, Vidalgo sorria e olhava para o pique querendo certificar-se de que Marcelo não estava trapaceando, quando deu por si, Maria e Otacílio já não estava mais ao seu lado. Ele suspirou emburrado, por ser deixado para trás. Pulou o muro e entrou silenciosamente na casa abandonada ainda a tempo de ver os lábios de Maria e Otacílio unidos um ao outro.
............Ele não teve nenhuma reação a não ser ficar parado observando. "Vidalgo! Olha só, o Otacílio me chamou para namorar!" dizia Maria alegre. Vidalgo sentiu uma onda de ciúmes imenso invadi-lo por completo, como pode, como Maria pode fazer isso com ele, como seria agora? Otacílio era seu melhor amigo. Otacílio era tudo para ele. Otacílio era dele.
............Aquele dia o pique-esconde não teve fim, pois ninguém conseguiu achar Vidalgo. Ninguém nunca mais conseguiu achar Vidalgo.

Febre

É calor, inquietação, irritação...
É muito trabalho, é falta de opção, é muuuita opção, é falta de grana, é gente inxerida ou mulher enlouquecida, é homem errado enchendo a paciência e é homem certo que não enche...
É TPM, é stress...

É a vontade de ser mais e não caber aqui dentro!

Quer saber?
Tem hora que dá vontade de gritar: Ah, vá pra puta que pariu!!!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

:)

Sabe?
Tem hora que não é muito bom analisar, pensar, planejar...
Chances de dar errado são grandes e aí a frustação será maior.
Curta o momento!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Na casa da Velha

............E quem disse que vida boa é essa igual propaganda de margarina onde aparece a família feliz? Cada um tem sua forma de ser, aceite isso. Quem me ensinou essa lição foi uma senhora, uma velha muito peculiar. Ora, mal cheguei e já comecei a falar pelos cotovelos sem ao menos me apresentar, desculpe-me, sou Jorge.
............Nesta mesma data, há três anos atrás, conheci uma velha, isso mesmo, não consigo usar outra expressão, ela era uma pessoa ranzinza e recalcada que cheirava como bolor de roupa úmida guardada. Não me recordo o nome dela, porém isso não tem a mínima importância, então vou tratá-la como Velha. Voltando ao que importa, encontrei pela primeira vez com a Velha num dia em que estava voltando do trabalho, ela estava sentada na praça, sozinha, murmurando coisas com o nada, quase bati o carro distraído, ela tinha fama de abilolada na região, eu rezava para nunca acabar daquele jeito.
............Mas o que de fato interessa aconteceu depois, num domingo de manhã, quando a vi sentada na escada em frente a sua casa, gentilmente me aproximei e perguntei se ela necessitava de algo, o olhar que ela ergueu foi vazio, como se estivesse vendo através de mim, em algum momento me perguntei se a idade estava castigando a sua visão, então ela respirou fundo e disse sussurrando “Quando existem pendências, elas devem ser resolvidas”, perguntei se ela queria ajuda para entrar, ela com o olho fixo no gramado da casa lateral respondeu com uma firmeza abrupta “Ainda não é o momento certo para isso”, voltou a me encarar “Mas se você quiser pode ir entrando, já está muito atrasado”, eu sorri e ao mesmo tempo senti uma pena imensa daquela senhora, ela não me conhecia e com toda certeza já não tinha muita noção de realidade. “Tenho sim”, ela respondeu se levantando. Senti um calafrio na nuca. “Agora já posso entrar, mas você perdeu sua vez por hoje, volte depois, você é aguardado”, se virou numa agilidade estranha para sua idade e entrou batendo a porta quase no meu nariz.
............Passei o resto do dia sobressaltado, por causa daquela velha excêntrica. Mas não perdi muito tempo com isso, até porque estava preocupado com outras coisas, fui expulso da faculdade por invadir o sistema central, minhas contas estavam vencendo, tinha pedido demissão durante uma briga com meu chefe, minha melhor amiga era minha grande paixão desde a infância e agora estava namorando meu irmão, não suportava ficar perto da minha mãe porque ela vivia inventando doenças. Naquele momento eu só queria abandonar tudo, não via solução, planejava ir para o Exterior. Ah, esqueci de falar do meu pai, ele era um imbecil, que vivia bebendo e traindo minha mãe, quando éramos criança nos surrava até quase desmaiarmos, mês passado ele não deu mais as caras aqui em casa e em lugar nenhum, a opinião geral era que ele havia fugido com alguma vadia, mas eu sabia que não, sabia que ele não estava mais vivo e tinha essa certeza porque fui eu que dei o tiro na testa dele e depois me livrei daquele corpo gordo em um matagal. Como podem ver, minha vida é um pouco bagunçada.
............Pelo menos em uma coisa aquela velha tinha razão, temos que resolver nossas pendências e eu tinha uma comigo mesmo, tinha que viver realmente. Na outra semana estava com as malas prontas e muito ânimo, fui ao mercado comprar umas últimas coisas e passei pela casa da Velha, parei e reparei que ela me olhava por uma fenda da porta que não estava totalmente fechada, subi o lance de escadas e empurrei a porta.
............A casa era muito abafada e sem iluminação, tinha um cheiro de bolor assim como a Velha, entrei na casa, procurando-a. “Você tem que brincar”, mas não era a voz da Velha, olhei para trás e vi uma menina que deveria ter uns quatro anos no máximo, estava com um vestido tão alvo que em meio aquele lugar escroto, ela parecia surreal, as duas tranças estavam presas por laços de cetim igualmente brancos, a confusão estava estampada em meu rosto, “Como disse, é melhor você apressar seus passos meu jovem e para resolver as coisas você tem que brincar”, arregalei os olhos mediante a eloqüência daquela criança. “Não adianta fugir, não adianta esconder, não adianta discorrer, você só vai se perder” ela começou a cantarolar essa frase, girando o corpo nos calcanhares. Encostei-me na parede e olhei para lateral, para meu alívio a porta estava muito próxima, andei três passos e alcancei a maçaneta, uma pequena mão fria pousou sobre a minha e cravou suas unhas. “Você só sabe reclamar e correr, maricas!!!”, não que fosse fazer isso, mas minha vontade era de chorar, foi como ouvir meu pai, ela soltou minha mão e caminhou em direção a sala, olhou para mim com o olhar mais doce possível “Pela última vez, brinca comigo?”
............Não senti quando meus pés foram em direção a ela, demos as mãos e ela me conduziu para a escada. “Fique calmo, tudo vai resolver, agora você tem que escolher, quer subir ou descer?”, senti que aquela pergunta tinha uma importância muito maior que a própria direção a ser tomada, olhava em volta para buscar algo que me ajudasse, me ouvi dizer “Quero ficar onde estou”, ela se iluminou e deu um pulo de alegria “Ótima escolha meu jovem, ótima escolha! Vamos resolver aqui mesmo, sem precisar de muitas mudanças”. Fomos para a sala de estar, havia um baú retangular e muito grande, “Não é um baú”, disse a pequena, reparei em um conjunto de alças laterais e uma cruz acima, no centro. A menina abriu e vi a Velha deitada com as mãos sobre o peito, reprimi um grito, “A Velha gosta de descansar aqui”, mas o rosto dela estava pálido e os lábios arroxeados, de repente ela se levantou “Ora, até que enfim!” disse para mim sorrindo, depois virou para a garota “Pegue logo o que tem que pegar e me deixa sossegada”, a garota retirou uma caixa debaixo dos pés da velha e fechou o caixão ou o que quer que fosse aquilo.
............Minhas pernas estavam bambas e eu mal conseguia respirar, a menina foi em direção à cozinha, a segui, pois queria um copo d´agua. Na mesa estavam sentadas mais quatro crianças, mais três meninas da mesma idade que a menina da Velha e um menino que na verdade era um bebê de mais ou menos um ano. A menina retirou alguns bonecos da caixa e os colocou sobre a mesa, foi até ao fogão, puxou uma cadeira e subindo nela, destampou o pequeno caldeirão no qual borbulhava um líquido alaranjado. “Então agora vamos resolver tudo”, eu me sentei, as outras crianças tomavam leite e comiam biscoitos, eretas e com o olhar fixo no horizonte. Eu não sei por que, mas comecei a falar sem parar, não conseguia ficar em silêncio, contei do meu emprego, da minha mãe, meu irmão, minha amiga, enfim, tudo. “Esqueceu do seu pai”, a menina disse, já sentada no meu colo.
............Senti lágrimas descendo do meu rosto, era a primeira vez que chorava por aquilo, “Eu sei, eu sei, foi tudo muito ruim não foi, meu rapaz? Mas fique calmo”. Ela desceu, juntou os bonecos, colocou-os no braço e os ninou, dois deles foram jogados dentro da panela, um ela colocou para dormir em uma cama fofa de farinha de rosca, ela pegou um punhal dentro da gaveta e cortou os cabelos do outro boneco, retirou as fitas de cetim das suas tranças e então reuniu novamente todos os bonecos. Ela os juntos e amarrou com uma das fitas, a outra ela amarrou no punhal, olhou para todos e deu aquela espécie de ramos bonecos para o bebê brincar. “Você quer logo sua felicidade?” ela perguntou para mim, fiz que sim com a cabeça, ela sorriu e disse “Tudo bem”, seu olhar mudou para algo maquialévico, então ergueu o punhal, levantei da cadeira num sobressalto e antes mesmo que pudesse fazer algo, a menina passou o punhal pelo pescoço do bebê, fazendo com que uma larga camada de líquido vermelho caísse sobre os bonecos.
............Caí de joelhos, em meio a um berro e com as mãos tapando meus olhos. “O que é isso Jorge?! Está maluco?”, retirei a mão do rosto e pude ver minha amiga vestida de noiva na minha frente, olhei e reconheci uma igreja, minha mãe estava do meu lado segurando meu braço e entre os convidados havia um murmurinho. Meu pai e meu irmão estavam na primeira fila tentando segurar o riso. Estava muito zonzo, pedi desculpas e a cerimônia do meu casamento reiniciou, mas meu pensamento estava muito longe dali, não conseguia entender. Escutei o padre me fazendo uma pergunta e minha noiva me olhava alegre, mas não conseguia responder, então ouvi a voz infantil de uma das damas “Você quis a felicidade e agora não sabe dizer sim para ela?”, olhei para trás, era a menina da Velha, ela sorriu “E então? Você quer logo sua felicidade?”, respirei fundo “Sim”.
............A igreja se encheu em aplausos.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Querer

............Maria sonhava em ser garçonete, não é um sonho comum e nem descente, mas era o que Maria gostaria. Clodoval era um brilhante aluno e tinha planos em ser um grande advogado. Os dois começaram a namorar no final do colegial e planejavam se casar após a faculdade.
............As amigas de Maria formavam um grupo bastante mesclado. Regina fazia curso de modelo, Márcia era poetisa, Cláudia bancava a esotérica e Marcela tinha uma grande paixão por salvar vidas. Clodoval só tinha um amigo, Rômulo, que tinha talento em ser bêbado. Alguns anos se passaram e cada qual manteve o objetivo de seguir seu plano, porém os comentários eram de que as coisas não saíram da forma exata de que cada um gostaria.
............Maria por pressão da família fez faculdade, além disso, descobriu-se lésbica e agora era uma das promotoras mais famosas da região. Clodoval casou-se com Cláudia e atualmente se recuperou do alcoolismo, dependendo da ajuda da sua esposa que enfim tornara-se pesquisadora e cientista, uma pessoa fria e cética. Regina era dona de uma lanchonete de quinta categoria e estava 20 quilos mais gorda, tinha um certo orgulho disso pois dizia ser resultado da qualidade de sua comida. Enquanto Márcia virou vereadora da cidade e não queria saber de romances. Rômulo era viúvo, de Marcela que se suicidou - motivos ainda escusos –, e agora era dono de um grande posto de gasolina da região.
............Nenhum deles manteve algum contato com o outro, fora os relacionamentos amorosos. Não tinham nada mais em comum, a não ser é claro o psicólogo, para qual todos eram unânimes em dizer sobre como suas vidas eram vazias e inúteis.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

De porcelana

............O departamento era gigantesco, haviam bonitas e variadas opções, tudo do mais rústico ao mais moderno, falo aqui da loja de brinquedos da pitoresca Vila Gardênia. Apesar de pitoresca aquela loja era invejável aos olhos dos donos das monstruosas lojas de famosas metrópoles, isso tudo por que aquela loja não era uma loja qualquer.
............Um ar de mistério aliado a sensação de terra molhada e ao cheiro de pão fresco eram somente uma parte responsável por causar aquela percepção aconchegante dentro daquela loja. A Vila Gardênia também tinha um leve charme e seu comércio principal concentrava-se na praça, as lojas, o posto, a sorveteria, a floricultura, a padaria, entre outros. A loja de brinquedos ficava uma rua abaixo da praça e todos os odores que circulavam ali próximos invadiam o recinto logo pela manhã, tenho a impressão que, de forma proposital.
............Naquele mundo dentro de outro mundo, havia uma ala responsável pelas bonecas. E na quarta prateleira, contando-se da esquerda para direita se acharia na sexta posição a boneca de porcelana. César, o dono da loja, acreditava que cada brinquedo tinha que ter o dono correto e por isso estabeleceu a política de devolução em sua loja, a qual valia independente do dia de aquisição, o comprador poderia devolver a qualquer momento que desejasse. César era um dos poucos homens que ainda entendiam o valor do respeito e de se tratar bem algo que adquirimos por nossa escolha, tinha horror de imaginar um brinquedo sendo ignorado, substituído e jogado em uma caixa velha qualquer, como disse, ele acreditava que brinquedos tinham uma magia e cada um possuía um dono certo, por isso estabeleceu a política da devolução livre, se sentia aliviado assim.
............A boneca de porcelana era bela, como poucas, os detalhes, a riqueza e a sua graça ganhavam de muitas barbies modernas, mas eram raros os que viam a importância disso, afinal a boneca era bela, porém um tanto quanto fora de seu tempo. César até que tentou adequá-la mudando suas roupas, seu cabelo, seu perfume e até sua posição na loja, colocou-a na vitrine principal, mas um tempo depois descobriu que aquilo não combinava em nada com a essência da boneca de porcelana.
............A pequena já havia passado por vários donos, todos completamente encantados ao primeiro encontro e com olhos brilhantes sempre faziam as mesmas promessas bonitas a César, de cuidar bem e valorizar o que estavam levando para sua vida. Mas alguns dias, semanas ou meses depois a boneca de porcelana acabava voltando, sempre com algo desconcertado, um pedaço quebrado ou algo bem lá dentro despedaçado. Uma vez, a boneca de porcelana permaneceu por alguns anos com o mesmo dono e César enfim sentiu-se feliz por ela ter encontrado seu lugar. Mas no dia que ele viu o comprador entrar pela porta da loja seu estômago esfriou, nunca havia visto a boneca de porcelana tão maltratada. Foi muito, muito difícil recuperá-la, mas o tempo e a dedicação fazem milagres e a boneca de porcelana voltou a ser linda apesar de nunca mais ser a mesma, estava mais susceptível e parecia que sua porcelana tornara-se uma mais fria. César concluiu que talvez fosse um mecanismo de defesa daquele interessante material, mas preocupava-se, pois ela estava mais sensível, daquilo ele tinha certeza.
............Alguns outros compradores ficaram com a boneca de porcelana e César fazia o máximo para que ela os agradasse, colocando-a a mercê do gosto ou jeito do mesmo. Mas ela sempre voltava e a cada retorno parecia que o brilho daqueles olhos pintados estava ficando embaçado, ele sentiu seu coração doer e foi quando decidiu deixá-la mais reservada, de certa forma um pouco escondida, lá naquela prateleira no fundo, naquela posição. Pensou que assim só quem realmente procurasse algo especial teria empenho o bastante para achá-la e assim se apaixonaria verdadeiramente por ela, entendendo o valor de encontrar algo que se procura por muito tempo.
............Afinal, tudo é da forma que tem que ser, todos tem seu lugar e companheiros certos e como sempre o encontro acabará acontecendo da forma mais inesperada possível. Assim César espera, assim eu espero e assim a boneca de porcelana espera, ela mais do que ninguém.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Eu, um pouquinho

...........Quando ouvia que a gente amadurece com os tombos eu entendia, mas não absorvia. Mas hoje sei exatamente o que é isso.
............Aprendi que uma mesma história tem sempre duas versões, onde você é vilão ou mocinho, só depende de quem a conta. Na minha eu sou sempre a heroína, mas em algumas outras versões sou a megera. Talvez as duas estejam erradas, ou não, as duas estejam certas, todas as pessoas são um pouco de cada coisa. Quem vai dizer o contrário?
............Sou bem jovem, mas já passei por tanta coisa que vários amigos falam que dá para escrever um livro, e dá mesmo. Ainda bem, não posso dizer que minha vida é monótona, isso nunca. Já sorri, já chorei e já não senti nada, sinceramente não sentir nada é o pior estado. Alegria nem preciso comentar, a tristeza é ruim sim, mas ela é a maior professora de todas, com certeza
.............Aprendi muito com meus tombos, ilusões, enganações e decepções, mas também aprendi demais quando vi minha capacidade em ser má, em fazer sofrer, em vingar. Não que isso seja o certo ou o melhor caminho, só digo que aprendi assim, pois foi passando por isso que soube dar muito valor aos meus momentos alegres, as pessoas e principalmente a mim mesma, aprendi a me amar e ter respeito por mim.
............Hoje já sei certos caminhos, certas encrencas e o que mais me agrada: sou mais serena e sensata, a ansiedade já não me domina tanto e a segurança ocupa um lugar muito maior. Não tenho medo de dizer e fazer, sempre fui bem-humorada e procuro ser a cada dia mais, bem-humorada e educada, isso é bom para mim e bom para os outros, assim todos ficam bem.
............Tenho muita estrada pela frente e muitos sonhos não realizados, mas tenho calma suficiente para saber esperar e atrevimento de sobra para ir atrás do que quero, em qualquer aspecto. A decepção faz parte da vida, mas a submissão e o conformismo não, isso é fato para mim. E mais do que tudo: sorrir sempre - não para mostrar para os outros que se é feliz, mas porque está se sentindo assim – isso é fundamental.
............Hoje é totalmente diferente do que foi ontem, se sou mais feliz ou não, não é bem a questão. As situações sempre são outras, mas quando relembro agradeço por estar nesse ponto que estou.
............Sim, estou melhor, muito melhor, pois sou uma pessoa melhor agora, procuro não me arrepender de nada e nem sentir raiva de outras pessoas, porque esses sentimentos de arrependimento e ódio vão nos corroendo aos poucos. O que sei é que aprendi o perdão e a não cometer os mesmos erros, não magoar e fazer sofrer, bem como não me magoar e não me permitir sofrer.
............É a vida! E há quem diga que ela dá voltas, eu acredito na teoria da montanha russa, altos e baixos, às vezes passando pelos mesmos pontos. Esqueça os baixos, aproveite os altos e se algo tende a se repetir é porque tem algum motivo (não é mesmo?).
............Apenas, viva!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Paladar

Ultimamente as coisas andam sem gosto.
Sem sal,
Sem tempero,
Sem graça,
Sem gosto...
Em tudo.