quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O celular

Algo ao fundo toca insistentemente, é um toque abafado e longe, Rebeca que não está em um bom dia, pois seu carro estragou e ela foi obrigada a se locomover de coletivo, se irrita ainda mais de não atenderem logo ao chamado. O som para e dá um descanso de menos de 3 segundos para começar novamente seu concerto. Ela dá uma mordida nos lábios e ajeita a lateral da calça, nisso sente algo vibrando no espaço proveniente entre os dois bancos. Pega o celular e na tela brilhante lê-se “amor”. Resolve atender.
- Oi?
Silêncio.
- Oieee!?!
- Eu sabia!!! Ah, eu sabia! Quem é você sua vagabunda?! E cadê aquele enrustido do Gustavo?! Ele não é homem o suficiente para me dar um fora, não é? Teve que colocar a nova putinha dele para fazer isso, sua cadela, escuta aqui...
Rebeca, atônita, escuta mais uma enxurrada de insultos e não tem tempo de explicar que simplesmente achou o celular, pois uma onda de gargalhadas saíram sem controle de sua garganta, ela tenta sufocar, mas quando percebe que isso deixou a mulher mais histérica do que já estava, as gargalhadas vieram com mais força. Rebeca entre risos e nervos, tentava se controlar, ela realmente queria falar que aquilo era um terrível engano, mas suas cordas vocais não respondiam ao seu pensamento. Desligou abruptamente. A criança ao seu lado, estava de boca aberta enquanto o sorvete escorria. Rebeca com testa suada, aperta as mãos trêmulas e pensa que causou um desastre, sente sua barriga gelar e todo peso da consciência culpada na sua nuca, sabia que nada foi proposital, ela não se controlou, somente isso.
Enquanto se prepara pra descer, pensa no que deveria fazer, o celular volta a tocar, ela nem precisa olhar para saber quem é. Desce do ônibus e leva um tropeção no meio fio deixando o celular cair, se levanta aos xingamentos e maldiz o mundo por sujar seus joelhos, quando olha para o lado um trombadinha passa e ela vê somente o vulto de sua mão pegando o celular.
Ela quer berrar e tem o ímpeto de correr atrás dele, mas no próximo segundo desiste achando que esse ato talvez seja a providência divina a livrando de mais um problema.
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Rogerinho era um moleque safado e sem vergonha, que tinha tudo que queria dos pais, mas era vagabundo por natureza e fazia o que a flor de seus 11 anos lhe permitia. Fumava e bebia o quanto quisesse, sem falar em pequenos furtos que cometia sempre. Aquela manhã foi lucrativa, uma perua deixou cair um celular novinho e ele foi esperto o suficiente para pegar a tempo, agora era repassar.
Enquanto se dirigia a uma rua central, o celular toca. Ele geralmente retiraria o chip, mas ao ler “amor” na tela, com um coraçãozinho muito do fresco ao lado, não se contém e resolve passar um trote.
- E aí?
- O que? Mas cadê a ... quem é você moleque?
- Ih, qualé tia, tá querendo que?
- Eu quero falar com o Gustavo. Agora!
- Aqui não tem nenhum Gustavo não senhora, esse celular é do meu pai, deixou comigo! – Rogerinho, está contendo-se para não rir, se divertindo imensamente de fazer a mulher acreditar na sua loucura de ligar para número errado.
- Pa... pai!!!!!!
A mulher do outro lado da linha desaba em choro. Rogerinho fica sério e resolve desligar. “Bicha louca”. Chegando ao seu ponto comercial, ele começa mais um dia de trabalho, oferecendo sua mercadoria aos transeuntes apressados.
Um homem passa com cara de preocupado e se detém a alguns metros de Rogerinho, volta, Rogerinho se apressa.
- Só R$ 50 reais, chefia!
O homem olha incrédulo para o aparelho e tira a nota da carteira.
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Enquanto caminha feliz pela praça, sem acreditar na sua sorte, o homem sente o celular tocar. Novamente a tela dizia “amor”.
- Bom dia! – Ele atende risonho.
- Gustavo??? Gustavo é você?!?!
- Ora amor, é claro que sou eu, você não vai acredit...
- Seu cafajeste, vagabundo! Você é muito mais ordinário do que eu pensei, nunca imaginei isso de você, seu covarde! Achou que esconderia essa sua segunda família de mim quanto tempo?
- Cristina, o que você está falando?! Você tá maluca e ...
- E nada!!! Eu já sei de tudo, de tudo, ouviu? E só de pensar que isso foi por um deslize seu. Deus é grande mesmo! Está tudo acabado, entendeu Gustavo? Não vai ter mais casamento, mais nada! E some da minha vida!
- Mas Cris ...
Ela desliga e Gustavo fica parado sem saber o que aconteceu. Sem reação, ele se dirige para uma lanchonete a fim de colocar seus pensamentos em ordem, Cristina não atende as suas ligações. E ele que achou que era seu dia de sorte, pois em menos de uma hora conseguiu perder e achar, ou melhor, comprar o seu próprio celular. Ele pálido senta-se na mesa.
- Bom dia, o que vai querer? – Rebeca diz sorridente.
Gustavo descontrolado começa a chorar.
Rebeca, assustada, recoloca o caderninho no bolso. “Primeiro a louca me xingando no telefone, agora isso”.
- Calma senhor, calma, vamos tomar um ar.
Ela leva Gustavo para um banco em frente à lanchonete, ele sente a brisa fria e se acalma. Não consegue falar nada e Rebeca se preocupa com os outros clientes.
- Você está melhor? Quer que eu chame um táxi?
Gustavo só balança a cabeça positivamente, assim que o veículo chega, ele entra sem muita reação. Rebeca fecha a porta e se dirige apressadamente para a lanchonete.
No banco, um objeto vibra.
Rogerinho que passa por lá neste momento, percebe o movimento.
- Caraca! Outro celular! Cara, hoje é mesmo meu dia de sorte.

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