quinta-feira, 11 de setembro de 2008

De porcelana

............O departamento era gigantesco, haviam bonitas e variadas opções, tudo do mais rústico ao mais moderno, falo aqui da loja de brinquedos da pitoresca Vila Gardênia. Apesar de pitoresca aquela loja era invejável aos olhos dos donos das monstruosas lojas de famosas metrópoles, isso tudo por que aquela loja não era uma loja qualquer.
............Um ar de mistério aliado a sensação de terra molhada e ao cheiro de pão fresco eram somente uma parte responsável por causar aquela percepção aconchegante dentro daquela loja. A Vila Gardênia também tinha um leve charme e seu comércio principal concentrava-se na praça, as lojas, o posto, a sorveteria, a floricultura, a padaria, entre outros. A loja de brinquedos ficava uma rua abaixo da praça e todos os odores que circulavam ali próximos invadiam o recinto logo pela manhã, tenho a impressão que, de forma proposital.
............Naquele mundo dentro de outro mundo, havia uma ala responsável pelas bonecas. E na quarta prateleira, contando-se da esquerda para direita se acharia na sexta posição a boneca de porcelana. César, o dono da loja, acreditava que cada brinquedo tinha que ter o dono correto e por isso estabeleceu a política de devolução em sua loja, a qual valia independente do dia de aquisição, o comprador poderia devolver a qualquer momento que desejasse. César era um dos poucos homens que ainda entendiam o valor do respeito e de se tratar bem algo que adquirimos por nossa escolha, tinha horror de imaginar um brinquedo sendo ignorado, substituído e jogado em uma caixa velha qualquer, como disse, ele acreditava que brinquedos tinham uma magia e cada um possuía um dono certo, por isso estabeleceu a política da devolução livre, se sentia aliviado assim.
............A boneca de porcelana era bela, como poucas, os detalhes, a riqueza e a sua graça ganhavam de muitas barbies modernas, mas eram raros os que viam a importância disso, afinal a boneca era bela, porém um tanto quanto fora de seu tempo. César até que tentou adequá-la mudando suas roupas, seu cabelo, seu perfume e até sua posição na loja, colocou-a na vitrine principal, mas um tempo depois descobriu que aquilo não combinava em nada com a essência da boneca de porcelana.
............A pequena já havia passado por vários donos, todos completamente encantados ao primeiro encontro e com olhos brilhantes sempre faziam as mesmas promessas bonitas a César, de cuidar bem e valorizar o que estavam levando para sua vida. Mas alguns dias, semanas ou meses depois a boneca de porcelana acabava voltando, sempre com algo desconcertado, um pedaço quebrado ou algo bem lá dentro despedaçado. Uma vez, a boneca de porcelana permaneceu por alguns anos com o mesmo dono e César enfim sentiu-se feliz por ela ter encontrado seu lugar. Mas no dia que ele viu o comprador entrar pela porta da loja seu estômago esfriou, nunca havia visto a boneca de porcelana tão maltratada. Foi muito, muito difícil recuperá-la, mas o tempo e a dedicação fazem milagres e a boneca de porcelana voltou a ser linda apesar de nunca mais ser a mesma, estava mais susceptível e parecia que sua porcelana tornara-se uma mais fria. César concluiu que talvez fosse um mecanismo de defesa daquele interessante material, mas preocupava-se, pois ela estava mais sensível, daquilo ele tinha certeza.
............Alguns outros compradores ficaram com a boneca de porcelana e César fazia o máximo para que ela os agradasse, colocando-a a mercê do gosto ou jeito do mesmo. Mas ela sempre voltava e a cada retorno parecia que o brilho daqueles olhos pintados estava ficando embaçado, ele sentiu seu coração doer e foi quando decidiu deixá-la mais reservada, de certa forma um pouco escondida, lá naquela prateleira no fundo, naquela posição. Pensou que assim só quem realmente procurasse algo especial teria empenho o bastante para achá-la e assim se apaixonaria verdadeiramente por ela, entendendo o valor de encontrar algo que se procura por muito tempo.
............Afinal, tudo é da forma que tem que ser, todos tem seu lugar e companheiros certos e como sempre o encontro acabará acontecendo da forma mais inesperada possível. Assim César espera, assim eu espero e assim a boneca de porcelana espera, ela mais do que ninguém.

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