segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Amanhã é o fim do mundo

............É o fim do mundo! Amanhã! – gritava o jornaleiro da barraca.
............A paranóia dominava a vila, era o fim, o fim de tudo, o fim do mundo (deles), todos sabiam, mas ninguém esperava. A data já estava marcada, o horário agendado e mesmo assim a surpresa foi inevitável.
............Talvez porque todos pensavam que Ele estava de brincadeira, era só mais uma piada. Mas não, quando o céu se tornou verde com nuvens em tons lilás e a única coisa familiar era seu horizonte alaranjado, todos sabiam: ia mesmo acontecer. O aroma de rosas que dominava a praça local foi substituído por um nojento odor de piche novo, o sol não descia, e a noite certamente não iria chegar, o frescor do ar de toda vila foi substituído por um mormaço tão quente e mal cheiroso como um hálito de um cão velho.
............As crianças ficaram insolentes e os velhos cheios de razão e lucidez, os adultos por sua vez afloraram toda sua indiferença, afinal se era o fim não haveria nada o que fazer. Orgias, festas, brigas e risadas começaram a surgir aos poucos durante o dia, e já no final da tarde a zona estava fincada. Homens brigavam e se matavam para resolverem suas desavenças, mulheres sentavam nuas nas calçadas, adolescentes praticavam sexo em grupo no meio da praça, pois nenhuma daquelas moças queria morrer virgem e nenhum dos rapazes sem realizar todas as suas fantasias inimagináveis, nenhum filme de baixo escalão poderia visualizar aquela cena chocante que acontecia ao céu aberto em plena luz do dia. Na velha padaria, drogas eram consumidas pelos velhos e a única distribuidora de bebidas da cidade já estava sem estoque.
............Quanto mais a festança desenfreada aumentava, maior era o cheiro podre da vila. As plantas aos poucos foram murchando e em menos de uma hora não havia mais um tom verde por ali, e após murcharem, tornaram-se secas e se desmancharam no chão, e algo diferente ocorreu, o seco tornou-se líquido, formando um musgo viscoso de cor vinho, e este musgo descia pela alameda principal da cidade.
............Todas as casas estavam abertas, com sons no último volume, muitas delas totalmente quebradas, lojas açoitadas pelo vandalismo, inúmeras mulheres espancadas, vários maridos mortos, quase uma totalidade da vila estava bêbada e drogada, e a orgia que antes reunia somente os jovens, agora alcançara por completo os habitantes daquele lugar isolado do mundo. Todos estavam irreconhecíveis, entorpecidos pelo consumo desregrado, nus em pelo e se acasalando como animais no cio.
............Mas uma coisa havia sido esquecida, a insolência, na verdade no início todos consideravam a opinião e crítica das crianças uma insolência e ninguém via o que era certo. E naquela vila que ficava não se sabe onde, logo perto de não sei como, havia apenas sete crianças.
............E o nojo que as dominava fazia o musgo descer mais veloz pela alameda, e quanto mais a revolta penetrava por suas veias mais o musgo brilhava em sua cor vinho, e quando as lágrimas das sete banharam a virada do hoje para o amanhã, o fim se tornou início.
............Os corpos, casas e coisas foram banhados e derretidos por aquele fétido material. E o céu voltou a ser azul, e o amanhã virou hoje, e as crianças cresceram, e elas souberam que o podre sempre seria podre e estava predestinado a se tornar verdade. E enfim, a restauração se iniciou, desta vez, limpa e verdadeira.
............E foi tudo naquela cidade isolada do mundo, que ficava não se sabe onde, logo perto de não sei como, que sete crianças em seu sétimo ano de vida começaram um repovoamento que durou sete anos...
............Até o musgo voltar novamente.

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