terça-feira, 28 de outubro de 2008

O homem do queixo grudado

............Era uma vez um homem que amava seu umbigo, desde o início sempre foi assim, ele vivia a olhar para seu umbigo, admirando-o. Com o passar do tempo de tanto estar nesta posição o corpo criou uma pele que fez seu queixo ficar grudado em seu peito, era como se tivesse nascido dessa maneira.
............Então ele nunca mais passou pelo constrangimento de encarar o mundo e as pessoas, enfim ele ficou do jeito que queria e quem quisesse fazer parte da sua vida tinha que se ajoelhar, pois ele nunca levantava a cabeça.
............E seus dias passaram a ser dessa forma, ele não olhava as pessoas nos olhos, não encarava o seu mundo, olhava somente para si e era servido sempre de joelhos. Esqueceu de tudo a sua volta, das pessoas em sua vida, das coisas que fizeram por ele, das suas responsabilidades e da importância alheia. Aliás, isso foi trocado, pois a importância era ele, o seu momento e tudo o que tinha vontade. O resto de antes era nada.
............Mas o homem era sempre insatisfeito, pois ele sofria da antiga e rara Síndrome do Mais. E por causa dessa doença ele nunca estava realizado, para ele sempre faltava algo e sempre tinham que fazer mais por ele. Do homem não podia se esperar nada, coitado, ele era muito ocupado, preocupando-se consigo mesmo, suas vontades e seu belo umbigo, pois ele enfim vivia para isso, não é mesmo? Era sua obrigação moral ter o umbigo mais belo de todos.
............Com o passar o tempo o homem do queixo grudado não percebeu, mas por escolher ser assim – "levemente" egocêntrico – ele perdeu muitas coisas. Até seu corpo se trasnformou, sua cabeça nunca mais se ergueu, algumas pessoas diziam que era por má vontade - já que achavam que a pele do queixo tinha incrível elasticidade -, outras afirmavam que isso não seria possível, ele olhou tanto para si, que ficou atrofiado dessa maneira, já raros tinham certeza que era culpa do peso de consciência e vergonha que ele carregava em sua nuca. Mas no final das contas, o certo era que talvez fosse um pouco de cada coisa.
............O homem vivia angustiado e se angustiava ainda mais por não saber o motivo de toda aquela angústia. Ele não conseguia compreender que deixou de lado os mais belos momentos do mundo, que não olhou para as pessoas que o amava, que não deu carinho a quem se dedicou a ele, que não deu atenção a pequenos inocentes que o admiravam, que não teve tempo de ajudar quem estava ao seu lado, que não notou e valorizou quem importava de verdade. Pois durante toda sua vida ele só olhou para si e para quem se ajoelhasse a ele, não retribuía quando eles se erguiam, nem ele sabia por que, se era porque não queria ou porque não conseguia.
............E os anos foram passando, e ele começou a notar que agora não conseguia mais manter por muito tempo um sentimento de verdade ao seu lado, ele vivia de ciclos que precisavam sempre de renovação, já que todos acabavam um dia se cansando de tanto ficar ajoelhados.
............Mas acontece que um dia o homem do queijo grudado percebeu que tudo se tornara vazio e percebeu que sentia falta do que não deu valor, e ficou com medo por ser tarde demais e sentiu um frio tão intenso por dentro como se algo estivesse errado. Antes mesmo de sua razão se dar conta do seu imenso pardieiro de besteiras, seu corpo reagiu, a pele que grudou seu queixo começou a diminuir apertando-o, sem deixar espaço, pois agora era ela que exigia mais, assim como ele próprio fez toda vida, e de tanto querer e pedir, foi se apertando até sugar todo ar.
............E para o arrependimento já era muito tarde, o homem do queixo grudado morreu sufocado olhando para seu belo umbigo.

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