segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Alice e o buquê de narcisos

............Marcaram as dezenove horas, mas ele já estava atrasado há vinte e cinco minutos. Ela havia chegado adiantada e como estava cansada de esperar no carro, a encaminharam para uma das salas do espaço.
............Era uma sala muito bem iluminada e decorada. Havia um sofá e duas poltronas, no centro uma linda chaise dava charme a sala, grandes almofadas estavam no chão e em uma mesa de centro havia aperitivos e um espumante no gelo. Um aparelho de dvd tocava uma música ambiente, ela sentiu vontade de se jogar na chaise, mas não queria amarrotar o vestido ou estragar o penteado. Sentou-se em uma das poltronas e se viu no espelho, era um espelho que se estendia por toda a parede esquerda e assim o ambiente ficava duplicado.
............Contemplou-se por um momento de longe e depois caminhou ao espelho, desfilando para si mesma. Não sabia afirmar com plena certeza se era linda, mas sabia que tinha seu charme e magnetismo. Tinha cabelos lisos e negros, cortados rente aos ombros, o rosto tinha todos os traços muito bem marcados e equilibrados, nariz fino e com a ponta levemente arrebitada, as bochechas sobressaiam no seu desenho, os olhos eram castanhos e pequenos, a boca também pequena, mas de lábios gordos, ele brincava que parecia um pequeno coração. Olhou seu colo branco dentro do tomara que caia, desceu a mão até a fina cintura e parou na barriga, virou-se de perfil e continuou alisando-a, todos já notavam, mas também estava no final do quarto mês.
............Uma dos únicos minos que pediu foi um vestido exclusivo, feito unicamente para a ocasião, inclusive feito unicamente para ela, já que estava adquirindo a peça. Escolheu um belo vestido, um tomara que caia com o desenho levemente pontudo em um corte sereia, todo bordado com cristais. Como ela não havia ganhado tanto peso, apenas uma acentuada no ventre, foi fácil fazer os ajustes.
............Alisou o véu e segurou o buquê de narcisos. Adorava narcisos e fez questão que seu bluquê fosse assim, sua mãe tentou convencer a usar lírios, a sogra insistia em miniorquídeas, até a irmã sugeriu copos de leite, mas ela não cedeu, poderia abrir mão de outras coisas mas não dos narcisos. Sorriu e fez olhares ensaiando para as fotos que logo tiraria, “Será que haverá mesmo fotos?”, colocou o buquê no balcão. Abriu o espumante e bebeu uma taça em um gole só. Na sacada olhou a rua com vários carros e teve certeza que quase todos os convidados já haviam chegado.
- Alice, com licença – disse a cerimonialista entrando.
- Chegou?
- Ainda não, mas estamos todos entrando em contado. Amigos e família também estão a procura e ninguém sabe qualquer notícia, mas de qualquer forma não quero que fique preocupada, – a encaminhou para a chaise e tirou seus sapatos - vamos resolver logo a situação e tudo vai acabar bem.
............Foram interrompidas por um choro de criança e uma voz feminina nervosa, a dama de honra que havia caído ralando assim o joelho e a mãe tentava reparar a situação. A cerimonialista levantou-se para procurar o kit de socorros e deixou Alice com várias recomendações sobre tranquilidade, respiração e outras técnicas de relaxamento, como se adiantasse algo.
............No salão a aparente calma era apenas educação, todos procuravam ser discretos em suas especulações e fofocas. Se passara uma hora e treze minutos e a cerimônia ainda não havia iniciado. Uns comentavam sobre uma briga dos noivos, outros sobre a desistência da noiva, já terceiros informavam detalhes sobre uma inexistente despedida de solteiro que aconteceu na noite anterior. Os pais do noivo e da noiva haviam se reunido no lounge e iniciou-se um troca de farpas de uma forma sutil, os irmãos tentavam acalmar a situação. Alguns amigos próximos tentavam localizar o noivo, enquanto alguém foi até o apartamento outros tentavam pelo celular.
............Para evitar maiores conversas e até que alguns convidados fossem embora, a cerimonialista determinou aos garçons que servissem bebidas, o álcool ajudaria a acalmar o ânimo de todos. O Juiz da cerimônia agora se juntara com os pais e tentava convencer que o rapaz não ia aparecer, estavam gastando esforços em vão, mas não lhe deram razão, logo ele ameaçou ir embora, mas foi lucrativamente convencido a ficar pelo pai do noivo.
............No ambiente de estar, Alice já havia ingerido metade da garrafa do espumante, esquecendo-se momentaneamente que havia suspendido a bebida alcoólica de sua dieta. Estava descalço e havia retirado todos os acessórios, controlou as lágrimas, pois não queria estragar a maquiagem. Pela vigésima vez se levantou e foi até a sacada para ver se o carro de Antônio estava por lá, começou a suar apesar do ar condicionado ligado e sentiu uma leve falta de ar, culpou o vestido do incômodo e tentou desabotoar alguns colchetes e quando com muito custo abriu o quarto desistiu, tinha vontade de rasgá-los, tinha vontade de rasgar o vestido todo, sentou-se no chão e bebeu o espumante pelo gargalo.
............Ela conheceu Antônio durante um jantar beneficente realizado por Amélia, a mãe de Antônio, ele era um empresário muito bem sucedido. Durante o evento, enquanto circulava e fazia importantes contatos, se mantinha atenta para não perder Antônio de vista. Ele falava durante todo o tempo no celular, às vezes com seriedade e rigor e outras vezes leve e bem humorado, precisamente nesta noite estava fechando um acordo com uma empresa estrangeira, negócio este que lhe rendeu bons lucros e o permitiu comprar a casa na qual iriam morar. Alice era uma promoter que estava começando a ganhar um determinado espaço, havia se mudado há pouco tempo para a cidade, mas ela sabia ir pelos caminhos corretos para conseguir o que queria e ela queria ser reconhecida, ter seu espaço e principalmente muito conforto, quase como a maioria das pessoas.
............A família de Antônio não a aceitou bem, eles eram de classe nobre e apesar de totalmente esclarecidos e modernos, tinham um preconceito velado quanto a ela ser mais simples que Antônio, diziam que ela não estava a sua altura. Para a sorte de Alice isso só fez os fortalecer, o que era apenas um affair logo se tornou namoro e daí para o noivado foi um passo curto, Alice não poderia estar mais satisfeita, tudo estava dando certo e ela tinha Antônio a seu lado.
............Agora no lounge, ela estava no chão, com a cabeça nos joelhos e abraçando as próprias pernas. Perguntava-se onde estaria Antônio, tentava planejar o que faria dali para frente, já que era ele seu objetivo há tempos.
- Alice? – interrompeu uma voz masculina. Fazendo-a se levantar esperançosa.
- Oi Rômulo – disse, sentindo uma pontada de raiva ao ver o sócio de seu noivo ali.
- O que aconteceu?
- Não sei! Me diga você, o que aconteceu? Cadê o seu sócio? Vocês não são tão amigos? Era você que deveria me dizer.
- Controle-se Alice, abaixe a voz. Você bebeu? Pelos céus, você está embriagada.
- E daí? Eu mando no meu nariz.
- Vou perguntar novamente Alice, o que aconteceu?
- O que aconteceu Rômulo, é que estava tudo dando certo, tudo e eu fui ouvir seus conselhos. Foi isso que aconteceu.
- O que você quer dizer com isso?
- Você com essa sua burrice de mudar o planos, a culpa é sua. – ela cambaleava entre os pés.
- Está ridícula! Uma noiva abandonada, bêbada e ridícula.
............Tomou-lhe a garrafa vazia das mãos, com um puxão a jogou em uma das poltronas e segurou seus braços com força até ficarem vermelhos.
- Agora, você vai explicar logo o que aconteceu – disse-lhe apertando tão forte o queixo que fez os seus dentes doerem.
............Ela deu um tapa na mão em seu rosto e o empurrou com um dos pés fazendo-o cair no chão.
- Qual era o plano? Você lembra exatamente qual era nosso plano inicial? - berrou ela.
............Rômulo estava se controlando para não esbofetear Alice.
- Você se casaria com o Antônio, depois nos livraríamos dele e ficaríamos com sua parte na empresa.
............Rômulo conhecia bem Alice e quando traçou seu plano sabia que ela seria perfeita. Ele e Antônio haviam se conhecido na faculdade e um tempo depois abriram o negócio, o qual Antônio não levava a sério. Ele era o único de um casal rico e, portanto tinha tudo nas mãos, ao contrário de Rômulo que teve que batalhar muito para conseguir tudo, inclusive a amizade de Antônio, aturar um rapaz mimado não era tarefa fácil mas lhe rendeu a empresa, já que foi Antônio que entrou com o capital. Com o passar dos anos veio a cobrança dos pais e Antônio viu na empresa sua tábua de salvação, começou a se dedicar ao negócio, o que gerou um grande incômodo em Rômulo, principalmente quando em apenas alguns meses estava se saindo muito bem e fechando grandes negócios, o que transformou o incômodo em cólera. Foi quando ele reencontrou Alice em uma festa vulgar e depois de transarem no banco de trás do seu carro, sabia que teria que ser com ela para seu plano dar certo. Ele teria a empresa toda novamente, de um jeito ou de outro.
- Isso Rômulo este era o plano, mas acontece que você inventou de apressar as coisas, estava tudo ótimo, mas você estava com pressa e quis usar o truque mais velho do mundo. Agora estou grávida e para nada!
- Qual o problema nisso, Alice?
- O problema, seu babaca, é que o Antônio não pode ter filhos.
............Rômulo não entendeu nada, Antônio nunca comentara o assunto com ele e isso não teria lógica agora, já que Alice estava quase no quinto mês, ele já deveria ter falado isso há tempos para ela.
- Ele não estava se sentindo bem há algum tempo, foi ao médico e fez vários exames, descobriu que não pode ter filhos, ontem.
- Mas como assim? O que ele estava sentindo? Que exames foram esses?
- Não sei Rômulo, eu não sei de nada. Foi o que ele disse, ontem. Mal sabia que ele estava indo ao médico, nem sei se ele realmente estava sentindo algo, sei que ontem ele me esfregou o exame na cara e antes que você fale algo, eu conferi tudo, várias vezes, o exame era dele e realmente constava o que ele disse.
- Mas... e aí...
- Aí que eu fiz minha melhor cara de sonsa, chorei, me fiz de vítima. Falei que o amava, que aquele exame estava errado, que ele era tudo para mim e nunca o trairia, até fingi um acesso de raiva por ele estar duvidando de mim. Queria ao menos ganhar algum tempo para efetivarmos o casamento e eu não sair no prejuízo. Aí ele foi embora sem falar nada, só foi lá para me dizer que não pode ter filhos - suspirou e deu um riso pesado - ele acabou comigo - levantou-se, alisando o vestido - Aí foi embora, não disse nada sobre casamento, sobre terminarmos. E agora estou eu aqui.
- Ele não vem. – disse ele enquanto fumava um cigarro.
- Ah, sério?! - falou de forma hipócrita.
- Ele sabe sobre a gente?
- Não, acho que não, se sabe não disse nada.
- Bem, então acho que nosso plano falhou – disse ele apagando o cigarro e saindo.
- Ei, espera aí! Nosso plano falhou e agora tchau?! Como vai ficar esta história?
- Não vai ficar, eu tenho que tomar novas medidas e você vai voltar para aquela sua vidinha medíocre. É isso querida, isso de engravidar para arrancar dinheiro de algum trouxa não deu certo para você – disse ele passando mão levemente pelo rosto de Alice.
............Mas foi quando o clima mudou, a raiva e desespero foram embora e Alice ficou calma, um sorriso sarcástico brotou em seu rosto. Ela calçou os sapatos, retirou o véu, segurou novamente o buquê.
- Será que não deu certo Rômulo, meu querido?
- Como? – disse ele com rosto irônico.
- Sabe, meu anjo, logo meu advogado vai entrar em contato com você, pois este filho que está aqui dentro é seu.
............Rômulo quis negar o que ela disse, ofendê-la das formas mais variadas possíveis, mas não conseguia soltar qualquer palavra, no fundo, sabia que ela falava a verdade. Alice foi até a porta e de costas jogou o buquê, que caiu em Rômulo. Olhou-o com despeito.
- Você não se contentava com metade de uma empresa, agora vai ter que se contentar com metade da metade.
............Enquanto Rômulo espalhava histéricamente narcisos pelo quarto, ela passava percorria o salão com o rosto borrado enquanto gargalhava.

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