sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Jantar a luz de velas - final (VI)

(...)
............Ao voltar para casa, a encontrou ainda dormindo. Sentiu-se culpado e uma tristeza invadiu-lhe por ver sua mulher naquele estado, prometeu tentar tornar as coisas mais agradáveis possíveis. Assim que ela acordou, estranhou a presença dele na cama, ele não pode deixar de sentir animado, ela havia voltado. Ele ria e só sabia pedir perdão por tudo, por sua ausência e por ela estar assim, ela com a cabeça em seu ombro chorou, se sentia tão sozinha e não acreditava que ele estava ali novamente. Ela contou tudo que havia acontecido em sua ausência, e apesar dele já saber, deixou que ela falasse, no final ela também pediu perdão. Fizeram amor durante muito tempo.
............As semanas decorreram bem, mas logo ela começou com algumas crises, ele não sabia ao certo identificar o que era e não queria fazê-la ir ao médico. No começo a notava triste e cabisbaixa, eram horas de silêncio intermináveis, em outros momentos ela ficava nervosa sem motivo, perguntava se ele não via ou ouvia o que estava acontecendo a sua volta, ele não entendia o que ela queria dizer. Começou a encontrá-la durante várias noites conversando sozinha no quarto do bebê, como da primeira vez ele tentou colocou novas fechaduras, mas ela sempre achava as chaves.
............Então ela começou a falar sobre terem um filho, ele achou uma péssima idéia, mas logo ela veio com a notícia da gravidez e dias depois a encontrou no banheiro chorando, outro aborto espontâneo. Ele ficou desesperado, mas não conseguia notar nenhum sinal de sangue e ela se recusava a ir ao médico. Na mesma semana estranhos barulhos começaram na casa, ele sempre se levantava de madrugada para verificar e não encontrava nada, somente gavetas abertas, retratos caídos ou bolas espalhadas. Em uma dessas noites quando voltou para cama, a encontrou acordada “Acho que agora sim você está vendo o que está acontecendo aqui”.
............Dois meses depois ela informou uma nova gravidez e no mesmo dia um novo aborto espontâneo, ela chorou a noite inteira e se arranhou nos braços. Ele a levou ao médico, a força, que a examinou e informou que nunca havia ocorrido gravidez. Ela deu um tapa forte no rosto do médico e saiu o ofendendo aos berros pelo corredor, ele não sabia se sentia tristeza ou vergonha.
............As notícias de gravidez e aborto espontâneo continuaram por mais alguns meses. Ela agora só vivia trancada no quarto e quase não comia, ele só vivia por ela. Já havia se acostumado a lidar com as crises dela, já havia se acostumado a sua ronda de madrugada pela casa para verificar barulhos e guardar coisas misteriosamente espalhadas ou ligadas, já havia se acostumado com o menino de macacão jeans e blusa listrada correndo pelo jardim ou sala.
............A mulher vivia conversando com alguém imaginário e ele fingia não notar, ela tentava lhe contar sobre um garoto de cabelos claros e ele desconversava. Ele não podia admitir que às vezes tivessem as mesmas visões, ela tinha que sentir nele alguém saudável o bastante, alguém que realmente pudesse ajudá-la. Mas a verdade era que também era comum para ele ver o garotinho, ver seus brinquedos espalhados, ouvir seus choros e risadas durante a noite, ou ver seu vulto diariamente. Em uma de suas andanças pela madrugada, o viu brincando na cozinha com a torradeira, mas estava com muito sono para dizer que aquilo era perigoso. Nada mais era estranho para ele, nada mais o desanimava ou o assustava.
............Porém repentina e incrivelmente tudo havia mudado há duas semanas, assim, sem explicação e subtamente. Ele não sabia ao certo se confiava naquela mudança. Há 15 dias atrás, a sua mulher havia acordado bem-humorada e desde então não dava sinais de recaída, os barulhos pararam na casa, ele pode começar a dormir uma noite inteira de sono, pois não recebia mais a visita do garoto. E agora estava ali, preparando um jantar a luz de velas.
............Voltou seu pensamento para o agora, para o jantar, para a cozinha. Terminou de arrumar tudo. Subiu as escadas para buscá-la e sempre sentia certo receio deste momento, pois não sabia até quando toda aquela normalidade duraria. A viu na porta do quarto do bebê, sentiu um frio na barriga, mas ela o olhou com olhos doces. Estava usando um vestido florido, cabelos soltos e grandes brincos, estava linda e alegre. Ele sentiu uma ternura imensa em enfim vê-la tão arrumada, o fez lembrar de quando trabalhava no banco e a conheceu. Ela fechou o quarto, foi ao banheiro, jogou a chave no sanitário e deu descarga, caminhou em direção a ele.
............“Gostou? Me arrumei especialmente para hoje, nosso dia especial. Sabe, estive pensando, acho melhor mudarmos de casa, vamos destruir tudo isso daqui e enterrar com as lembranças ruins, vamos começar tudo de novo”. Ele a beijou com todo amor que sentia, desceram para a sala de jantar, ela aprovou toda a preparação, ele puxou a cadeira para ela sentar. No meio da noite, ela o olhou de forma firme, porém leve “Estou grávida e dessa vez é de verdade”, ele pegou sua mão e beijou de leve “Eu sei que sim querida, dessa vez eu sei que sim”.
............Abraçados, ficaram na mesa se acariciando até as velas apagarem.

Um comentário:

Tyago de Paula Ferreira disse...

A inspiração aqui tá boa hein...
Eu vendo sempre la do meu blog esse 'Jantar a luz de velas'. Terei que ler depois...

Passando pra dizer que tem algo lá no meu blog pra você. Vide postagem 'Desafio'.

Beijo.